A “quebra das patentes” dos medicamentos talvez tenha sido a única coisa útil que o José Serra fez enquanto ocupava o cargo de ministro da Saúde. Essa medida viabilizou os tratamentos com muitos medicamentos que, até então, eram absurdamente caros, como o Interferon e o Nelfinavir, por exemplo. Isso fez com que, da noite para o dia, milhares de pacientes com HIV pudessem adquirir medicamentos por baixo custo, já que a produção teve aumento exponencial desde que as fórmulas desses medicamentos deixaram de ser de posse exclusiva dos laboratórios que as desenvolveram.
De lá pra cá, apesar da alta incidência de impostos sobre remédios, uma grande parte da população passou a adquirir medicamentos genéricos, o que facilitou enormemente a popularização de vários tratamentos. O impacto dessa medida é sem precedentes na história do Brasil e pode-se dizer que isto salvou muitas vidas.
Enquanto isso, vemos pessoas dizendo que não se pode defender o tratamento ambulatorial (fase inicial) dessa doença atual porque laboratórios “querem lucrar vendendo remédios ‘que não funcionam’”. O que significa “lucrar” na cabeça dessas pessoas? Será que elas entendem o que significa o termo “medicamento genérico”? Será que elas fazem ideia do quanto custa uma caixa de um dos medicamentos que estão sendo usados para esvaziar enfermarias e prontos socorros na fase inicial dessa doença? Um ano se passou, já são 52 cidades adotando o tratamento ambulatorial e temos mais de 13 milhões de recuperados, mas muitos continuam insistindo que não há tratamento na fase inicial da doença.
No começo do mês passado, a Dra. Raissa Soares fez um vídeo afirmando que pacientes preferiam morrer a tomar o “medicamento do presidente”. Trata-se de uma escolha, obviamente, mas assim como muitos se enxergam no direito de ridicularizar aqueles que, como muitos libertários, defendem que exista a liberdade do paciente e seu médico de escolherem o melhor caminho, os libertários também se sentem no direito de criticar a decisão dessas pessoas que optam por não adotar um tratamento que pode salvar suas vidas por mera politização dos medicamentos.
Recentemente, surgiu em torno do assunto das vacinas a discussão sobre a quebra de patentes. Antes de mais nada, é necessário ter em mente que a defesa da Propriedade Intelectual favorece apenas uma pequena parcela da sociedade e, do ponto de vista libertário, a PI é algo anti-ético, que não visa a liberdade individual e gera um aluguel eterno sobre algo que está sendo compartilhado de forma massiva, perpetuando o poder entre algumas poucas corporações e beneficiando o estado. Ter ou não tecnologia para lidar com a quebra de patentes das vacinas é um outro assunto que deriva deste tema, entretanto seria um artifício aplicado única e exclusivamente com a finalidade de coibir a quebra de patentes ou até mesmo a licença compulsória. O que está em questão não pode ser ignorado e a quebra de patentes deve continuar sendo defendida.
Para complementar o raciocínio sobre PI e quebra das patentes, cito um excerto do livro de Benjamin Tucker, “Instead of a Book, By a Man Too Busy to Write One: A Fragmentary Exposition of Philosophical Anarchism” que ainda não tem tradução para o português:
“… o monopólio da patente […] consiste em proteger inventores […] contra competição por um período longo o bastante para extorquir das pessoas uma recompensa imensamente em excesso ao trabalho medido dos seus serviços – em outras palavras, em dar a certas pessoas o direito de propriedade por alguns anos de leis e fatos da Natureza e o poder de extorquir tributo de outros pelo uso dessa riqueza natural, que deveria ser aberta a todos”
Por fim, quando uma pessoa alega que defender o tratamento ambulatorial ou que quebrar as patentes de vacinas signifique dar dinheiro para as indústrias da “big pharma” ela não apenas está errada como também está defendendo que terceiros não tenham o direito de escolha aos tratamentos que julgam adequados para si, tanto em termos tecnológicos como financeiros.
#lucianatoledo