Brasil, democracia e Montesquieu

“É da natureza do poder, corromper o indivíduo e o levar a abusar dele”.

Para o grande pensador francês, o Barão de Montesquieu, todos que têm algum tipo de poder serão tentados ao máximo a abusar das prerrogativas que este poder lhes dá. Segundo ele, só uma coisa pode conter o poder, o próprio poder e é a partir dessa premissa que vai se desenrolar todo o seu pensamento.

Montesquieu, apesar de ter sido um membro da nobreza, era um forte crítico do absolutismo e do antigo regime, da concentração de poderes e dos excessos dos reis. Defendia que qualquer governante deveria se submeter às leis e que as pessoas em sociedade deveriam ser tão livres quanto fosse possível.

Percebam como o pensamento de Montesquieu, já no século XVIII, estava descolado do seu tempo, totalmente conectado com a visão liberal do mundo a respeito das  liberdades individuais em busca da paz social.

Ele identificou 3 formas de governo: a Monarquia, o Despotismo e a República. Dizia que a democracia é uma forma de governo que nasce de um estado Republicano, onde o povo detém o poder e é soberano.

Para Montesquieu, numa democracia, diversos fatores são fundamentais para que ela possa funcionar, mas o mais importante seria o que ele chama de “virtude”. Ele defendia que, para a democracia funcionar, tanto o povo quanto os governantes precisariam ter a tal da virtude que ele definia como dois valores, dois princípios: “Amor à pátria e igualdade”. Esses dois atributos, segundo Montesquieu, levariam ao respeito às Leis, que seria a chave para o sucesso de qualquer sociedade.

Agora, imaginem colocar Montesquieu numa máquina do tempo e deixá-lo 5 minutos em Brasília? Certamente, ele não encontraria ali nenhuma virtude, sequer amor à pátria ou qualquer tipo de igualdade.

Montesquieu dizia: “quem manda executar as leis deve sentir que ele próprio a elas está submetido e delas sofrerá o peso”. Bom, mais uma vez, se pudéssemos mostrar a ele como funciona o Brasil de hoje… 

Obviamente, somos um caso empírico do contrário de tudo que ele pregava como o ideal para o sucesso de uma nação. Talvez não tenha sido à toa que tenhamos chegado ao fundo do poço enquanto país. Faltou ler Montesquieu – de verdade – nas escolas e nas faculdades, sobretudo das que os nossos políticos estudaram.

Montesquieu defendia, ainda, que os representantes do povo não poderiam viver em meio a excessos de mordomias, para que não se apegassem ao poder e tampouco servissem de exemplo negativo para o povo. Pois, a partir desse cenário, passaria a competir para chegar ao poder, não para servir à nação, mas para se apropriar dos privilégios, se valer dos excessos e do poder. Preciso falar? Bom, imaginem se nós pudéssemos mostrar a ele no que se transformou o Brasil de hoje. Somos exatamente tudo aquilo que Montesquieu disse que uma nação não deveria ser.

Foi com base nesse pensamento de conter os excessos que ele formulou a famosa divisão dos poderes, em Legislativo, Executivo e Judiciário, com o diferencial do sistema de freios e contrapesos. 

Embora Montesquieu não tenha sido o primeiro a falar na divisão de poderes, já que antes dele, James Harrington e John Locke já tinham trabalhado essa ideia, oi com base nessa influência é que ele produziu a sua maior obra “Do espírito das Leis”, que foi elaborada a partir do estudo sobre as instituições inglesas e fundamentalmente da filosofia lockeana. Esse livro acabou inspirando a Constituição de 1791 da França e tornou-se na base das doutrinas constitucionais mundo afora pelos séculos seguintes.

Toda constituição de países civilizados prevê a separação dos poderes entre legislativo, executivo e judiciário por meio do sistema de freios e contra pesos, onde um poder tem a legitimidade de fiscalizar e até punir o outro para combater os seus excessos. Todas elas bebem na fonte de Montesquieu. Isso foi tão revolucionário para o século 18 que o livro O Espírito das Leis foi proibido em diversos círculos intelectuais e também incluído no Index Librorum Prohibitorum da Igreja Católica, o “livro negro” da Igreja.

Além de ter sido duramente recriminado pelas elites francesas do século XVIII, que não estavam habituadas com a ideia de limitação de privilégios e poderes, Montesquieu encontrou em Locke a divisão de poderes, mas foi em Harrington que ele entendeu a alma humana, por meio de um exemplo bem didático, que retrata a natureza humana, que ficou conhecido como: O Bolo de Harrington onde dizia que mesmo crianças inocentes já tinham toda a sabedoria inata da divisão de poderes. Dizia que se você colocar um bolo diante de duas crianças, elas tenderão a dividi-lo, onde uma partirá o bolo da forma mais igualitária possível, esperando não sair prejudicada desta divisão e a outra irá escolher aquele que lhe parece o maior pedaço, tentando obter a maior vantagem.

Essa é a natureza humana, para Harrington.

A conclusão lógico-filosófica disso é que o poder precisa ser repartido para evitar os excessos e que quem faz a lei não pode aplicá-la, tampouco julgá-la. O que antes era concentrado nas mãos do Rei, agora passaria a ser dividido em instituições compostas por diversas pessoas que representariam a vontade popular.

A grande sacada de Montesquieu foi enxergar que os poderes não deveriam apenas estar divididos, como propunha Locke. Mais do que isso, precisariam se vigiar, se fiscalizar mutuamente, para que um servisse como contrapeso do outro e freasse qualquer tentativa de excesso assim nasceu a Teoria dos Pesos e Contrapesos.

Segundo Montesquieu, sem a limitação dos poderes e liberdades individuais garantidas seria impossível a prosperidade de uma sociedade. Será que tudo isso guarda alguma pertinência com o que vemos no Brasil de hoje? STF, Bolsonaro, CPI da Covid… Porém, para Montesquieu, mesmo a liberdade não poderia ser absoluta, há que se ter regras, ou seja, leis aceitas por todos e ele já dizia: “O lugar natural da virtude é junto à liberdade, mas ela não se encontra mais perto da liberdade extrema do que da servidão”.

Montesquieu dizia que a liberdade só é possível num ambiente de moderação e que essa moderação, por sua vez, só é possível num sistema de poderes divididos e que se fiscalizam uns aos outros. Por exemplo, ele dizia que a liberdade de expressão não consegue existir num ambiente de poder absoluto, pois quem detém o poder vai determinar o que pode ser dito e esmagar qualquer pessoa que fale qualquer coisa que não interesse. Bom, será que as seguidas perseguições de Bolsonaro a opositores por meio da Lei de Segurança Nacional não se encaixa nessa ideia?

Montesquieu trouxe para o debate político francês diversos valores que até o século XVIII não eram discutidos, como a moderação dos governantes, a pluralidade como caminho para a tomada de decisões, como o respeito a lei, como a limitação do poder dos reis. Será que o bolsonarismo nos fez voltar 350, para um debate que se na época foi revolucionário, hoje, deveria ser algo extremamente básico de qualquer país minimamente civilizado?

Montesquieu vai além, diz que qualquer poder ilimitado é ruim, inclusive a própria democracia. Para ele, só existe liberdade se houver respeito à lei. Portanto, a sua, a minha, a nossa liberdade individual deve encontrar limites: a Lei. O próprio Montesquieu já alertava para o grande perigo da democracia: a corrupção. Segundo ele: “o povo cai em desgraça quando, aqueles em quem confia, procurando ocultar a sua própria corrupção, buscam corrompê-lo”. Com base nisso ele já aponta o risco da compra de votos, por meio do dinheiro e vantagens, para satisfazer interesses particulares em vez do interesse público. Segundo ele, a corrupção é o pior veneno e é a principal razão da destruição do próprio Estado.

Eu não sei vocês, mas eu leio o Montesquieu do século XVIII e vejo o contrário de tudo o que ele escreveu estampado nas notícias do nosso dia a dia.

O caminho está dado, não é uma novidade há séculos, literalmente.

Cabe a nós enquanto sociedade escolhermos os caminhos corretos.

#manoel thiago furtado

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