Autoridade política: uma ilusão imposta

Há poucos dias, a população brasileira pôde ser agraciada com um verdadeiro espetáculo de humor transmitido pela TV Senado. Na ocasião, o empresário Luciano Hang (dono da rede de lojas Havan, e conhecido por ser grande apoiador do presidente Bolsonaro) foi interrogado na CPI da COVID-19 pelos senadores brasileiros. Questões como a participação de Hang nas decisões do governo federal frente à pandemia ou legitimidade científica destas mesmas decisões foram meras coadjuvantes no dia. O protagonismo ficou com a petulância e descaso do empresário em relação aos senadores da república. Hang respondia os políticos em tom informal, chamando-os pelo nome, dizia que, a depender dos comentários deles, ele faria réplica, entre outros louváveis exemplos de desobediência cívil. Luciano Hang nos permitiu lembrar, naquele dia, a inexistência de uma autoridade real dentro da política brasileira.

O termo “autoridade” no dicionário Oxford é traduzido como: 1. direito ou poder de ordenar, de decidir, de atuar, de se fazer obedecer; 2. entidade que detém esse direito ou poder. No Brasil é comum a tentativa de associar a alta casta do estado como um conjunto de autoridades. Podemos verificar isso ao lembrarmos do pronome de tratamento oficial requerido para nos dirigirmos a alguns destes membros. Para tratar com um parlamentar, juiz ou ministro da suprema corte ou, até mesmo, um mero delegado de polícia, sempre inicia-se com “Vossa excelência”. Mas quem garantiu tamanha excelência e prestígio a essas pessoas? Foi a própria população brasileira que decidiu, de forma espontânea, colocar políticos e funcionários públicos em tão alto pedestal ou, eles simplesmente se coroaram como “excelências”? Merece a alta casta estatal ser tão reverenciada?

Para conseguirmos responder de forma coerente estas questões precisamos compreender que o título de autoridade frente a um povo é algo conquistado. Essa conquista pode vir pelo reconhecimento das pessoas devido a uma grande habilidade da suposta autoridade. Mas também é possível ser reconhecido como uma autoridade por imposição, por pura coerção usando forte ameaça ou prática de violência. Podemos verificar a primeira situação quando uma pessoa com notório conhecimento e experiência em um assunto é chamada para analisar um fato. Esse indivíduo é tido como uma autoridade da área pois passou longo tempo construindo grande intelecto e habilidades sobre um campo, tornando-se uma referência naquilo. Essa seria uma autoridade legítima. Esse indivíduo não tem poder algum sobre outras pessoas, mas conquistou o respeito delas de forma espontânea por oferecer sua expertise em troca. Para o segundo tipo de autoridade temos os membros do estado. Eles não chegaram a seus cargos por um pedido da população em ser comandada. Os componentes do estado estão lá por imposição,criada por eles mesmos. A população votou, pois é obrigada a votar, os ministros foram indicados por políticos, os juízes concursados lá estão graças a um concurso solicitado e aplicado por membros do estado, sem consulta alguma do povo. Não há uma gota de respeito popular por estas pseudo autoridades.

Não pode haver inocência de nossa parte em acreditar que essa ilusão de autoridade política é algo que acontece por acaso. Para que a estrutura opressora do estado permaneça no poder se faz necessária tal percepção do povo. É o poder legislativo que altera as leis da constituição, enquanto o presidente representa o país em um fórum mundial e o judiciário considera a diminuição do próprio salário algo ilegal. A fim de concretizar constantes absurdos com dinheiro subtraído à força, os membros da classe política precisam desta figura de autoridade incutida na mente do brasileiro. Mesmo que falsa, a percepção de autoridade é fundamental na perenidade de um estado controlador da sociedade.

O filósofo americano Henry David Thoreau e seu conterrâneo jurista Lysander Spooner discorreram,  de forma acertada, sobre essa questão. Segundo eles, não devemos ter respeito sobre uma instituição ilegítima e injusta, muito menos respeitar aqueles que a compõem. O estado brasileiro faz com que trabalhemos cinco meses do ano apenas para pagar impostos, entrega apenas serviços públicos da pior qualidade e ainda permite que enormes quantidades de dinheiro sejam desviadas para enriquecimento ilícito. Qual motivo temos para respeitar uma instituição assim? Nenhum! Se o que mantém essa estrutura funcionando nesse mesmo modelo há tanto tempo são os políticos e toda a elite estatal, então não devemos respeito a nenhum deles também. O que vimos, o empresário, dono da rede Havan, fazer na CPI da COVID não foi um ultraje, foi a mais correta e legítima defesa de um indivíduo contra falsas autoridades que compõem a política de nosso país.

Precisamos nos lembrar diariamente de que não existe autoridade política. Enquanto o estado for algo coercitivo, que nos rouba em forma de impostos e nos pune com seu monopólio da força por não obedecer suas regras arbitrárias, precisamos fazer questão de nos dirigirmos a agentes estatais como “você”, “sua baixeza” ou mesmo “vossa excremência” ou “vossa excrescência” para deixar claro todo nosso desprezo por autoridades impostas. 

Que episódios como o de Luciano Hang na CPI sejam cada vez mais comuns. Que os políticos sejam lembrados constantemente que sua “autoridade” é mera ilusão imposta à população.

#FAL

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