Para o estado, somos meros reprodutores

Se existe uma característica inerente de qualquer estrutura estatal hoje é a de negar nossa propriedade sobre nossos corpos. O governo precisa dessa premissa para se manter no poder e tentar legitimar toda e qualquer violência contra sua população. Essa violência não se dá apenas por agressão física, mas, também, restringindo liberdades naturais. Um bom exemplo para o fato é a Lei 9.263/96 que trata do planejamento familiar no Brasil. 

Vale recordar que tal lei traz a regulamentação acerca da esterilização (cirurgias que tornam o indivíduo incapaz de gerar filhos, de forma definitiva). No texto é disposto que poderão realizar o procedimento apenas pessoas maiores de 25 anos ou com 2 filhos vivos. Além disso, esta lei abusiva também adiciona que deve haver 60 dias entre a manifestação da vontade da esterilização e o procedimento cirúrgico, sendo o indivíduo obrigado a participar de projetos que desencorajam (sim, isso mesmo) este desejo. Não podemos deixar de informar aqui que a lei termina o compilado de absurdos impondo a obrigatoriedade da anuência do parceiro (se houver casamento) e que o procedimento deve ser feito de forma separada de outros procedimentos cirúrgicos (não é possível aproveitar anestesia, incisão, internação…).

Uma série de breves e simples análises é necessária para compreender o caráter antiético dessa lei. Podemos iniciar pelo fato de que as mais prejudicadas são, sem dúvidas, as mulheres. São elas que acabam por engravidar e, independentemente da postura do cônjuge sobre assumir (ou não) o filho, elas carregarão a criança por 9 meses no útero e depois passarão anos criando a mesma. Ter um filho é um evento de impacto incalculável na vida de uma mulher, que pode repercutir por décadas. Gerar um humano exige desejo, planejamento e maturidade. Crianças que nascem em famílias onde não foram planejadas ou mesmo desejadas sofrerão por grande parte da vida numa provável família disfuncional. Se uma mulher acredita que o impacto de uma gestação, e da maternidade, é grande demais, pode então optar por não ser mãe. Ela pode já ter um filho em que deseja depositar o máximo do seu amor e atenção e, para tal, é necessário que não haja uma segunda criança. Quem somos nós (ou nossos governantes) para dizer qual modelo de família é melhor para alguém? Não é a mulher dona do seu corpo e por consequência de seu útero, ovários e trompas? Se queremos uma sociedade sem preconceitos ou imposições sobre as mulheres, por que não abrir mão desse controle medieval sobre o corpo e a liberdade delas? Cabe à mulher somente decidir quais métodos de contracepção irá adotar.

Para evitar polêmicas, deixo claro aqui que a grande maioria destes argumentos vale também para os homens que desejam se esterilizar. Apesar de, por questões biológicas, o homem ter uma relação menos simbiótica com o filho, ele também tem direito de propriedade sobre seu corpo e pode ter suas aspirações parentais, sejam elas quais forem.

As arbitrariedades nesta lei são tamanhas e tão numerosas que torna-se difícil acreditar como isso foi aprovado por um sistema republicano democratico e bicameral em pleno final do século XX. Podemos iniciar indagando: por que a idade mínima para esterilização é de 25 anos (se a maioridade já é de 18 anos)? Com 24 somos menos maduros? E porque são necessários dois filhos vivos? Para uma família de baixa renda, um pode bastar. São arbitrariedades aleatórias que não se embasam em qualquer conceito lógico para serem impostas. A proibição do procedimento de esterilização durante um procedimento cirúrgico é prova maior de que, ao menos do ponto de vista médico, a lei em questão não segue embasamentos científico algum.

O caráter maligno e opressor do governo brasileiro é tão gigante que ele te oprime. O estado também terceiriza a opressão do indivíduo quando impõe que é necessária a autorização explícita do cônjuge para realizar a esterilização. Seria o casamento um contrato de cumplicidade e afeto ou uma subserviência? Somos não apenas parceiros de nossas esposas e maridos, mas também propriedade destes? Cada indivíduo é um ser único, proprietário de si mesmo e jamais de terceiros. Nenhum casamento pode impor desejos alheios sobre o corpo de uma pessoa. O nome disso é escravidão. Fica claro aqui como o estado ajuda, inclusive a degenerar a instituição milenar que é o casamento.

Muitos podem tentar argumentar que a lei do planejamento familiar também tenta evitar que o indivíduo tome decisões precipitadas. Uma esterilização cirúrgica (como a laqueadura tubária e a vasectomia) são métodos irreversíveis. O esterilizado pode arrepender-se posteriormente. Mas isso justifica sermos impedidos de tomar decisões? Uma criança arrepende-se de ter subido na árvore depois que caiu, assim como um adulto arrepende-se de ter feito determinado investimento após ver o prejuízo. Viver é, a todo tempo, correr risco de se arrepender posteriormente. Algumas ações possuem um menor risco de falha e outras um risco maior. No entanto, somos adultos com cognição mínima para calcular tais riscos. Toda falha de nossas ações serão arcadas por nós, como já ocorre cotidianamente na sociedade de um modo geral. Tentar desestimular uma pessoa a realizar esterilização por 60 dias é tratá-la como criança, é presumir que ela não toma decisões de forma racional. 

Um ser humano adulto estéril é um gado reprodutor a menos para o estado. O hipotético filho, que o indivíduo estéril teria, seria um contribuinte de impostos a mais. Os governantes não querem uma população jovem retraída que trabalha pouco e gera menos arrecadação para a máquina governamental. Por outro lado, não podemos abrir mão da liberdade que temos perante nosso corpo, nossa principal propriedade privada. A luta pela derrubada dos artigos que tratam da esterilização na lei do planejamento familiar é um imperativo ético de todos os indivíduos. Esta agressão institucional precisa acabar!

#FAL

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