Devido ao princípio anarquista (de completa rejeição da existência de um governo) os libertários anarcocapitalistas possuem um ímpeto natural de rejeitar toda e qualquer associação política. E há de se entender o porquê. É uma consequência filosófica lógica de que se o estado é uma instituição que nasce e se mantém pela violência, logo, não podemos nos associar, de forma alguma, com ele para não sermos cúmplices dessa violência. Entretanto, sabemos que a prática da luta libertária não é tão simples assim. O estado muda, já que é uma estrutura composta e praticada por seres humanos que acreditam e usufruem da sua autoridade. Essas pessoas modificam o aparato com a finalidade de manter seu poder de coerção sobre a sociedade e continuar parasitando os indivíduos comuns desta. Se o estado usa de todas as armas disponíveis para se manter de pé, não podemos nós, os arautos da liberdade, nos contentarmos com uma conclusão filosófica tão simplista em nossa luta.
Poderíamos começar este parágrafo com o tosco bordão “Tudo é política”, mas a ideia aqui é ser sensato e pragmático. Não, nem tudo é política. Na verdade, a maior parte do nosso cotidiano não é política. No entanto, é preciso reconhecer que a pouca política que atua em nossas vidas tem um enorme peso sobre elas. Então não se pode simplesmente ignorar a política e acreditar que sua vida seguirá conforme seus planos, intocada pela maléfica política. Ayn Rand nos ensinou muito bem que podemos até ignorar a realidade mas não podemos ignorar as consequências de ignorar a realidade. Compreendemos, então, uma primeira importante ideia: um libertário pode não participar ativamente, mas é sensato, pelo menos, estar informado e atualizado dos principais fatos políticos que podem o afetar.
Então, apenas ler jornais e assistir aos noticiários já torna a “atuação política” de um libertário suficiente? Podemos dizer que, para alguns, sim. Mas esses precisam ter consciência de que estarão apenas compreendendo os motivos e mecanismos das injustiças e violências praticadas diariamente contra eles. Não estarão lutando, de fato, pela sua liberdade. Então é imperativo tomar alguma ação. Existem diversas estratégias de deslegitimar e derrubar o governo. Podemos colocar três categorias de estratégias de luta: 1. uma revolução violenta e armada; 2. uma revolução pacífica por meio da desobediência civil (que pode conter eventuais episódios de violência com fim de defesa); e 3. a atuação política. A primeira opção envolve grandes riscos e exige uma estrutura estatal completamente abalada para ter sucesso. Como nós libertários, apesar de armamentistas, costumamos ser grandes pacifistas, vamos nos concentrar em falar sobre a segunda e terceira estratégias.
O objetivo aqui não é dar preferência pela via política ou desobediência civil. Isso seria um atestado de ignorância. Essas duas estratégias têm sua importância e são cruciais na luta libertária. A desobediência civil já mostrou sua grande eficácia na independência da Índia no século XX. Simplesmente ignorar as regras do estado e deixar a ação humana legítima fluir causa grande estrago no aparato governamental. Dentro do libertarianismo podemos ver esse grupo muito representado pelos agoristas. Samuel Edwards Konkin III formulou essa vertente libertária de forma genial empregando que o movimento libertário deveria focar em seguir sua vida ignorando o estado, praticando o livre mercado de forma natural (mesmo as práticas criminalizadas) e divulgando o libertarianismo incansavelmente na sociedade. Apesar de já ter sido membro do partido libertário americano, Konkin passou a condenar a participação libertária na política com veemência. Mesmo com uma obra curta, Konkin deixou textos detalhados e geniais sobre como podemos agir contra o estado de forma produtiva e pacífica em nosso cotidiano. A estratégia agorista tornou-se um pilar essencial na luta libertária. Então, ainda temos motivos para cogitar uma participação proveitosa de libertários na política? É evidente que sim!
Primeiramente é preciso deixar claro que não há nada de contraditório na participação política de libertários. Um raciocínio lógico e honesto usando a ética libertária não é capaz de fazer tal afirmação. De acordo com nosso consistente modelo ético concluímos que não se pode violar a propriedade privada alheia (e esse é o resumo do que o estado faz diariamente) e, sempre que possível, lutar contra tal violação. Quando um libertário adentra a estrutura estatal visando lutar contra ela, enfraquecê-la, deslegitimá-la e defender a liberdade dos indivíduos, não é possível concluir que este libertário está agindo contra seus princípios éticos.
Estamos falando aqui de uma estratégia subversiva e complexa que tem como único objetivo final cessar a agressão do maior violador de propriedades privadas do mundo. Como pode aquele que luta pela propriedade privada e liberdade individual diariamente ser chamado de inimigo do movimento libertário? É possível, no máximo, fazer uma objeção moral, pois é compreensível que muitos não possuam a disposição e coragem de se expor no covil do inimigo para sabotá-lo. E é justamente por isso que os agoristas precisam atuar de forma paralela e forte na sociedade. Vale recordar que participar politicamente não se resume em tornar-se um candidato. O mero fato de divulgar um candidato libertário e suas ações, o assessorar ou apenas apoiar um partido libertário já é de grande auxílio. Neste momento, surge uma nova dúvida: como então a via política pode ajudar o libertarianismo de fato?
Antes de responder essa pertinente questão devemos discorrer, brevemente, de uma fase que precede o político libertário: o voto do libertário. Votar é algo que realmente incomoda qualquer um de orientação anarquista. O voto passa a impressão de legitimidade do estado, de que você concorda com esse instrumento e acredita nele como uma arma de mudança. Walter Block e Lysander Spooner já nos mostraram que não é bem assim. De fato, é ultrajante o fato do voto ser obrigatório em alguns países (como é no Brasil), mas isso não significa que ele é inútil ao movimento libertário. Inicialmente, é lógico, que é por meio dele que vamos tentar eleger nossos candidatos libertários. Mas o voto também serve como um protesto, um boicote. Já que nos foi dada essa pequena arma não vamos deixar de usá-la. É possível votar (na ausência de candidatos libertários) no candidato menos estatista possível e passar o recado de que não estamos interessados em propostas que aumentem o estado. Lembremos aqui que votar também não significa ser cúmplice de um candidato que, posteriormente, no mandato, se mostra ruim. A maioria de nós já realizou associações (comerciais, sociais ou até afetivas) com pessoas que depois se mostraram desonestas ou até antiéticas. O fato de termos sido enganados diz, na verdade, sobre a podridão do caráter delas e não do nosso. Então é ético e, talvez, até virtuoso usar o voto para enfraquecer o estado com nossos políticos libertários.
Um libertário na política (ou vários, vindos de um ou mais partidos libertários) pode fazer grandes estragos ao estado. Vamos apenas deixar claro, inicialmente, que não há sequer esperança dos políticos ou partidos libertários de que estes se tornem corrente majoritária na política e acabem por colocar fim no estado. A estrutura estatal simplesmente não foi feita para permitir tal fato. Portanto, os agentes políticos libertários vão se valer de pequenas ações que auxiliem a implementação de sua ideologia. Primeiramente, podemos citar o uso da exposição política como megafone das ideias libertárias. Este é um exemplo já muito usado por Rothbard e Block. Se pudermos usar aqueles poucos segundos da campanha eleitoral para proferir no rádio ou TV nosso mantra “Imposto é roubo e o estado é uma quadriilha”, milhões de pessoas estarão sendo alcançadas com uma belíssima ideia. Caso esse candidato seja eleito, terá ainda mais tempo e mais visibilidade para divulgar estas boas ideias. Esse fato é visível quando sabemos que o partido libertário americano já foi responsável por 10% dos votos em eleição recente. Além disso, o político libertário, uma vez eleito, terá função primordial de, simplesmente, defender a população. Ele pode usar todo seu novo poder de influência para atrapalhar as ações do governo votando contra todas as medidas estatistas e expondo outros políticos, que admitem nos corredores sombrios dos palácios, não estarem do lado dos indivíduos violados pela máquina governamental. O político libertário também irá sempre apoiar e divulgar todas aquelas medidas que visam diminuir o poder do estado, mesmo que seja algo pequeno.
Não podemos deixar de relatar também a estratégia política pensada por Hoppe. Segundo o pensador alemão, a democracia pode ser usada para implementar estratégias antidemocráticas fazendo pressão popular, principalmente, em políticos locais. Hoppe é grande adepto da secessão como estratégia libertária e, para isso, prega um maior foco na política local (municipal e estadual), uma vez que esta é mais acessível e demanda menor energia para promover mudanças. Quando os municípios e estados estiverem cada vez mais tomados pelas ideias libertárias, o governo federal central ficará naturalmente enfraquecido, tendendo a aceitar a descentralização do poder e talvez até sua dissolução.
É claro que um purista pode alegar que não é possível saber se o cargo político de um libertário irá, de fato, auxiliar a propagar o libertarianismo ou, pelo menos, atrapalhar as ações do estado. Mas esse tipo de raciocínio superficial pode ser aplicado a qualquer ação. Também não há garantias de que evitar a participação política e focar em grupos de divulgação dos ideais libertários, além de memes na internet, irão gerar grande rejeição estatal na sociedade. O fato é que toda ação libertária possui seus riscos e cada indivíduo realiza aquela que conclui ser válida para si. Também é comum ouvirmos a objeção de que um político libertário irá viver de impostos roubados da população. É fato que seria ideal a possibilidade deste político negar seu salário (o que ainda não é possível no Brasil) ou pelo menos doá-lo de volta à população mensalmente (vivendo assim apenas de doações de apoiadores). A segunda opção pode até ser tentada, mas devemos lembrar que aquele cargo está disponível, a cadeira possui uma vaga, se não colocarmos pelo menos um libertário nela, um político estatista acabará por ocupá-la e, se houver oportunidade, ainda votará pelo aumento de seu próprio salário.
Um verdadeiro libertário, aquele de forte tendência anarquista que nutre ódio diante da injustiça estatal, não se abstém de usar nenhuma arma contra seu inimigo. Se for preciso ignorar as leis do governo para praticar sua liberdade, o libertário o fará. Se também houver a demanda de contribuir com a ação libertária dentro da política, o libertário também o fará. Esse mesmo libertário não terá medo algum de ter sua crença na ética da propriedade privada colocada em cheque por estas ações. O verdadeiro libertário não é infantil a ponto de achar que ele ou qualquer um seja menos libertário por usar a via política, ele não está preocupado em parecer virtuoso ou mais anarcocapitalista que o resto. O libertário genuíno conhece sua ética de ponta a ponta com todos seus detalhes e aplicações, ele sabe que a luta pela liberdade não abala a ética, ela a fortalece pois mostra sua aplicação prática.
#FAL