Mês: setembro 2021

SDRs e o Banco Central Global

O Mais Central dos Planejadores: SDR e O Banco Central Mundial

De forma pouco usual, começo esse artigo com um pedido de boa-fé ao leitor. Sei que o tema deste artigo parece fantástico ou conspiratório, mas não tenho histórico de textos sensacionalistas, nem de afirmações infundadas. Pelo contrário, meus artigos normalmente tratam de assuntos teóricos, de forma objetiva e com abundância de dados – convido o leitor a conferi-los neste ou neste sites. 

Certos eventos alteram de tal forma o modo como vivemos que suas consequências parecem absurdas até, de fato, se tornarem reais. Alguém que dissesse, na década de 90, que teríamos que chegar no aeroporto horas antes do nosso voo para verificações de segurança antes do embarque, ou que os EUA aprovariam uma série de medidas que violam a privacidade de seus cidadãos para “proteger” o país da ameaça terrorista certamente seria taxado de louco. Não obstante, os atentados de 11 de setembro de 2001, tornaram-nas parte de nosso cotidiano.

Mais recentemente, alguém que afirmasse, a dois anos atrás, que os governos do mundo inteiro trancariam seus cidadãos em casa, fechariam negócios e imporiam um novo tipo de vacina, seria sumariamente ignorado (ou internado em um hospital psiquiátrico). E, então, surgiu o COVID-19 e os lockdowns aconteceram. Este artigo trata de uma mudança que agora pode parecer surreal, mas cujas evidências vêm se tornando tão avassaladoras, que só são ignoradas por conta do estado terminal da nossa Academia, principalmente no que diz respeito à economia e às ciências humanas em geral. Hoje, falarei sobre a criação, por meio dos Special Drawing Rights (Direitos Especiais de Saque, ou SDR), de um Banco Central Mundial, controlado nominalmente pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), e de facto, pelo Partido Comunista Chinês.

Antes de explicar o que são e como funcionam os SDR, preciso que o leitor se torne confortável com algumas ideias que apresentei em artigos anteriores. Primeiro, é necessário ter em mente que existem dois tipos de sistemas monetários, que seguem lógicas completamente diferentes, e resultam em sociedades completamente diferentes. Como expliquei mais a fundo nesse artigo, o metalismo (1) é o sistema em que a moeda é uma forma de commodity que, sendo propriedade do indivíduo, age como reserva de valor independente de qualquer autoridade política ou monetária. A alternativa ao metalismo é o chartalismo (2), em que a moeda é, essencialmente, um instrumento legal que facilita o pagamento de dívidas em caso de judicialização, e funciona como um forma de alocação de “poder de compra” por uma autoridade central.

Como expliquei nesse artigo, os EUA foram o último país a utilizar um sistema metalista, e isso foi fundamental tanto para a sua prosperidade material (3), quanto à sua estabilidade política (4). Com a criação do Federal Reserve em 1913, o país fez uma transição gradual para o chartalismo, que culminou no modelo atual de criação de dinheiro via emissão de títulos da dívida – essencialmente um ”chartalismo light” que o FED usa para manter a ilusão de solvência, evitando que  os cidadãos, ainda parcialmente livres, corram em pânico aos bancos para retirar seus fundos. 

Por ser um governo totalitário, a China não tem essas preocupações. O fato de poder proibir uma possível corrida bancária de forma violenta, e de não existirem empresas de fato privadas, permite que ela adote um sistema patentemente chartalista, o que lhe dá uma flexibilidade monetária muito maior, à custa da vida e prosperidade de seu povo. Por ter mais flexibilidade dentro do mesmo modelo econômico, a China está substituindo os Estados Unidos como potência geopolítica e econômica, e a criação de um Banco Central Mundial é o último passo para essa tomada de poder.

Mas, afinal de contas, o que são os SDR?

Special Drawing Rights: O “Vale-Moeda” Global

    Os Special Drawing Rights são um ativo financeiro emitido pelo FMI, utilizado pelos bancos centrais de seus países membros como reserva monetária (5) auxiliar. Um SDR é composto por uma cesta de diferentes moedas, podendo ser utilizado em transações entre países como substituto dessas moedas, caso um banco central precise de mais reservas para estabilizar sua balança de pagamentos (6).

    De forma simples, os SDRs são como um “vale-moeda” simbólico. O FMI não tem, de fato, as reservas por trás de seus SDRs, de modo a redimi-los, se necessário. Seu valor deriva da cláusula de “fé plena e crédito” dos países membros. Em outras palavras, ele deriva do acordo, entre os bancos centrais desses países, de aceitar esses documentos em transações, tratando-os como se tivessem o valor de uma cesta de moedas pré-determinadas. 

    Em termos concretos, imagine que eu e você transacionamos frequentemente, em dólares, euros e reais. Às vezes, eu fico endividado com você; noutras, você é quem fica. Apesar disso, confiamos um no outro para honrar essas dívidas. Porém, como temos outros clientes e fornecedores, às vezes nos encontramos sem liquidez para pagar nossas dívidas a tempo. Para resolver esse problema, convencionamos que cada um de nós terá direito a 100 “papéis-monetários”, no valor de 100 dólares, 50 euros, e 300 reais cada, aceitando sempre esses papéis um do outro. Agora substitua “eu” e “você” pelos membros do FMI. Pronto, surgem os SDR.

    A cada cinco anos, um comitê do FMI se reúne para decidir a composição dessa cesta de moedas, bem como sua alocação entre os países membros. Assim como no Brasil o COPOM, em teoria (7), decide qual será a taxa de juros com base em critérios arbitrários de desenvolvimento econômico nacional, um comitê do FMI decide quais moedas – e em que proporções – serão utilizadas no cálculo do valor dos SDR, visando maximizar a estabilidade e liquidez do ativo. De forma mais intervencionista, o mesmo comitê decide quais nações necessitam de mais “ajuda”, bem como quais estão mais aptas a “ajudar”, alocando os SDR de acordo. É muito semelhante aos repasses da União aos estados, que mais se assemelha a uma política fiscal do que a uma política monetária (8).

    As semelhanças com um banco central se tornam ainda maiores quando percebemos que os SDR não são apenas um “vale-moeda”, mas também um ativo que rende juros. Após a decisão inicial de alocação de cotas, cada país membro tem a escolha de permanecer com os SDR que lhe foram concedidos, trocá-los por moedas em transações com outras nações, ou realocá-los. Essa realocação é como um empréstimo de SDR, com a diferença de que o principal não precisa necessariamente ser pago ao fim do contrato. Em termos mais concretos, o país A pode conceder alguns SDR ao país B, que lhe pagará juros enquanto permanecer com o ativo, ou até que o comitê se reúna novamente e decida uma nova alocação. A taxa de juro, chamada de SDRi, é uma média ponderada dos juros de curto prazo dos governos cujas moedas compõem a base do SDR.

    Voltando ao exemplo do “vale-moeda”. Imagine que, além de você e eu, existem mais 10 pessoas no acordo. Você não está confortável com a sua quantidade de 100 vales e, por questões de liquidez e segurança, gostaria de ter 150. Posso te emprestar 50 vales em troca do pagamento de juros. Se você decidir que precisava apenas de 125, pode me devolver 25, e continuar pagando apenas apenas metade dos juros.

    Em suma, o SDR dá ao FMI o poder de fazer tudo que um banco central faz: emitir moeda, manipular seu valor e estabelecer taxas de juros. A capacidade de decidir a alocação arbitrária dos SDRs aos diferentes países dá ao FMI poderes ainda maiores, semelhantes aos do nosso Ministério de Desenvolvimento Regional. No entanto, um banco central não é apenas um órgão que pode emitir ativos líquidos, alocar recursos e estabelecer taxas de juros – qualquer banco pode fazer o mesmo. Um banco central é a autoridade monetária central de uma nação, que estabelece o ativo mais líquido, a taxa básica de juros, além de monitorar toda a alocação de recursos.

    Os SDR e o FMI estão caminhando nessa direção, ou são apenas um instrumento e instituição econômica secundários, como diz a própria instituição? Para responder a essa pergunta, precisamos analisar a história dos Special Drawing Rights, bem como seu crescimento ao longo das últimas décadas.

De Marginal a Central: A Evolução Dos SDRs

    Os SDR começaram como uma criação natimorta do FMI. Durante a década de 60, uma das grandes preocupações do FMI era como equilibrar a flexibilidade fiscal dos países membros com a estabilidade no valor de suas moedas. Em outras palavras, como manter uma certa paridade entre as diferentes moedas e o ouro, e ao mesmo tempo permitir que os países aumentassem a sua dívida pública. 


    Devido à própria natureza do lastro-ouro, isso era impossível. Como expliquei neste artigo, o maior benefício de uma moeda lastreada é possibilitar que o indivíduo se retire do mercado de crédito, caso considere que o investimento não vale a pena. Em outras palavras, se um país se endivida a ponto de sua população perder a fé em sua capacidade de honrar suas dívidas, as pessoas podem trocar seu dinheiro por ouro, protegendo sua poupança enquanto o governo vai à falência.

    Considerando esse benefício do sistema metalista um “problema”, o FMI criou os Special Drawing Rights em 1969 como uma forma de aumentar artificialmente a liquidez dos países membros. É importante frisar que a situação era “problemática” apenas para os burocratas do FMI e dos bancos centrais ao redor do mundo, afinal de contas, eles buscavam ser capazes de inflacionar a moeda, arrancando dinheiro do cidadão sem o custo político de cobrar mais impostos. Tomando emprestada uma expressão americana, os SDR foram too little, too late (“muito pouco, muito tarde”), e o sistema de Bretton Woods colapsou oficialmente em 1976, dando origem ao sistema chartalista atual de câmbio flutuante e moedas lastreadas tão só em dívida pública e em seu valor legal (9).

    Com o fim de Bretton Woods, os SDRs se tornaram apenas um instrumento de crédito para países subdesenvolvidos. Como explica John Williamson, ex-diretor de projetos da ONU, os países mais desenvolvidos são os que menos têm incentivos para usar os SDR. Afinal, se minha moeda é confiável, é provável que seja aceita numa transação internacional. Por outro lado, se o meu país é instável – e minha moeda fraca – precisarei realizar a transação em dólares ou euros. Países subdesenvolvidos ainda podem alocar seus SDR em países mais desenvolvidos, aproveitando-se da SDRi para tomar empréstimos a juros baixos.

    Os SDR seguiram como um instrumento relativamente “insignificante” (10) de crédito para nações subdesenvolvidas por décadas, até a crise de 2008. Com a queda de confiança e liquidez de moedas hegemônicas como o dólar e o euro, os SDR foram ressuscitados, atiçando a curiosidade dos planejadores centrais. Colocando essa “ressurreição” em perspectiva, de sua criação em 1969 até 2008, foram emitidos 21,4 bilhões de SDRs (11) – 9,3 entre 1970 e 1972, e 12,1 entre 1979 e 1981. Apenas em 2009, foram emitidos 182.7 bilhões de SDR.

    Em 2011, o FMI publicou um documento detalhando seus planos de utilizar o SDR como padrão monetário internacional, em lugar do dólar. Dentre os “benefícios” detalhados no documento, estão maior estabilidade no valor, maior liquidez do ativo, e maior facilidade de coordenar a economia global. Sim, o próprio FMI publicou um documento em que explica a sua intenção de substituir o dólar por uma “moeda” global, de modo a facilitar a coordenação da política monetária global. Você ouviu algum economista falar sobre isso na mídia? Deixarei que o leitor especule sozinho sobre as razões por trás desse silêncio.

    Mas por que essa mudança é relevante? Se o sistema de moeda fiduciária emitida por bancos centrais é problemático, a transição de autoridades monetárias nacionais para internacionais não seria apenas uma mudança pequena dentro de um modelo já falho? Em um contexto de planejamento central, não seria melhor ter apenas um planejador hegemônico, do que vários em conflito?

Os Mesmos Problemas, Mas Maiores

    Por enquanto, ignorarei as mudanças na relação entre o mundo ocidental e a China que advirão da criação de um banco central global, e os problemas que elas trarão. Apenas no âmbito econômico, seriam três os problemas de uma autoridade monetária global: baixa accountability, pouco acesso à informação e eliminação da concorrência entre Estados nacionais.

    De Milton Friedman (12) a F.A. Hayek (13), o meio liberal está repleto de argumentos convincentes a favor da governança local – e todos eles se aplicam à questão dos bancos centrais. A primeira grande desvantagem de uma autoridade central é o custo, para um indivíduo, de responsabilizar burocratas e políticos pelos danos causados por suas ações. Quanto mais local é um órgão governamental, maior a importância de um único indivíduo para ele, e menores são as barreiras burocráticas para responsabilizá-lo por danos.

    Citemos um exemplo. Imagine que você viva em uma cidade interiorana de 5.000 habitantes, e o seu prefeito adote políticas destrutivas para a economia local. Apesar de ser uma situação terrível, você tem muitas opções. De início, o seu voto é 1 de 5000 que ele deve conquistar – individualmente, muito mais valioso para o prefeito do que para um governador,  que verá o seu voto como um de milhões. O custo de mobilizar uma parcela significativa dos eleitores desse prefeito também é muito menor, pois entrar em contato com 5.000 pessoas teria o mesmo efeito de contatar milhões de brasileiros necessários para pressionar um presidente, por exemplo. 

    Por último, são inúmeras as arenas jurídicas em que você pode brigar. Mesmo se perder um processo na primeira instância, no caso do Brasil, pode recorrer a uma segunda instância e, por fim, a tribunais superiores. Mas, e se um indivíduo precisar processar o STF, ou recorrer de uma de suas decisões? A única alternativa possível seria levar o caso para um ente supranacional, como a ONU – uma área cinzenta do sistema jurídico, na qual o legal se confunde com o político. Via de regra, quanto mais longe do nível local está uma autoridade política, mais difícil é responsabilizá-la por seus erros, escolher seus membros e influenciar suas decisões. Uma autoridade global é praticamente intocável.

    Quanto mais afastada do nível local, menos acesso à informação relevante uma autoridade política possui. Mesmo com as muitas discordâncias entre economistas austríacos, uma coisa se mantém inquestionável – a informação relevante para as decisões econômicas encontra-se dispersa na sociedade, e a atividade empresarial individual é a forma mais eficaz de utilizar produtivamente essa informação. Quando a liberdade não é uma alternativa, porém, o tamanho da jurisdição de um órgão governamental é fundamental – quanto mais próximo do nível local, menor a complexidade do sistema gerido, e menos informação é ignorada pelos planejadores.

    De forma simples, por mais que um prefeito seja muito pior na gestão da economia de sua cidade do que empresários livres em um sistema de livre mercado, ele será melhor do que um governador na gestão de um estado, que, por sua vez, será melhor que um presidente na gestão de um país. Quanto mais indivíduos e recursos se encontram sob a jurisdição de um planejador central, mais informação será relevante para seu trabalho – e mais informação relevante será ignorada por ele. Se um planejador central em Brasília já distorce de forma grotesca o sistema de preços no interior de Pernambuco, imagine o dano que um burocrata em Washington D.C. poderia causar na Indonésia.

    Os problemas de accountability e acesso à informação são importantes, mas, em última instância, apenas a exacerbação de problemas comuns ao planejamento central – problemas que, possivelmente, poderiam até ser compensados pelos ganhos de eficiência na coordenação de políticas, e pela diminuição de custos de transação advindas da centralização do mercado monetário. A eliminação da concorrência entre estados, porém, introduz uma mudança qualitativa para pior.

Monopólio Institucional Absoluto

    Quando se fala em “concorrência entre estados” no meio liberal e libertário, muitos pensam na ideia anarcocapitalista de empresas privadas de segurança. É importante ressaltar que, no presente artigo, o termo se refere a algo totalmente diferente. Falo aqui da capacidade do indivíduo de “votar com os pés” e “votar com o bolso” – de se mudar ou transferir sua riqueza para outro lugar em resposta a ações governamentais – e do efeito que isso tem sobre os incentivos aos quais políticos e burocratas estão sujeitos.

    Como Ilya Somin detalha em Free To Move, a mobilidade, tanto física quanto econômica, dos indivíduos em uma sociedade contribui para o aperfeiçoamento e a manutenção de suas instituições, pois introduz uma lógica de competição por recursos entre governos. Quanto menor o custo para que um indivíduo se mude para a jurisdição de outro governo, maior o custo para qualquer governante que implemente políticas ruins. Não é por coincidência que as sociedades mais prósperas da história foram organizadas em governos extremamente independentes, unificados de forma bastante “solta” por um ente central – seja as cidades-estados da Grécia Antiga ou da Itália Renascentista, os diferentes emirados da era dourada do Islam, ou o federalismo americano.

    De forma simples e concreta, se é fácil, cômodo e barato mudar-se para outro estado, ou transferir meu dinheiro e minha empresa para outro país, posso simplesmente trocar um lugar com leis ruins por outro com leis melhores. Podemos ver isso no contexto americano com a mudança da Tesla, e de centenas de outras empresas, da Califórnia para estados mais livres. No caso brasileiro, isso fica evidente no chamado “risco brasil” – o prêmio que a nossa taxa de juros precisa levar em conta para que investimentos sejam feitos aqui. Caso não haja uma compensação financeira para cobrir os riscos e custos advindos de nossas instituições autoritárias e ineficientes, os investidores simplesmente movem seus bens para outros países. De forma mais gritante, podemos ver o fenômeno nas proibições que países como Cuba e Coréia do Norte impõem à emigração de seus cidadãos: caso não fosse quase impossível sair desses países, quase todos o fariam.

    A concorrência entre estados segue a mesma lógica do sistema metalista. Para o indivíduo produtivo, é um mecanismo de proteção contra abusos governamentais, que fomenta o aperfeiçoamento de suas instituições políticas – para burocratas que buscam se utilizar dos recursos desses indivíduos, é um problema grave. Thomas Piketty, neo-marxista francês e autor do best-seller O Capital no Século 21, não apenas sintetizou perfeitamente o ponto de vista do burocrata, como foi pioneiro na proposta de um sistema monetário internacional capaz de acabar com a concorrência entre estados.

    Para Piketty, o grande “problema” do capital no século 21 é que ele ainda é minimamente livre. Ele descreve como políticas de taxação de grandes fortunas, ou de gasto desenfreado financiado pela inflação de uma moeda esbarram em um empecilho fundamental: indivíduos tendem a fugir de governos que espoliam sua produção. Piketty descreve como políticas econômicas, sejam elas fiscais ou monetárias, que impõem riscos ou custos a empresas, inexoravelmente resultam na fuga de recursos – de forma mais geral, se o custo de uma política pública excede o custo de retirar seus recursos do país e produzir em outro lugar, o indivíduo o faz.

    A “solução”, para Piketty, é a criação de um imposto global. A lógica é simples: se a fuga de capitais acontece quando o custo de manter os recursos em um país é menor do que o custo de mudar esses recursos para outro, podemos impedi-la com um custo inevitável – um imposto global que incida sobre os mais ricos, independentemente de onde esteja o seu dinheiro. Piketty sugere que o FMI se responsabilize pela aplicação desse imposto, redistribuindo-o aos países membros. No entanto, ressalta que o FMI precisaria de mais poder, de forma a investigar paraísos fiscais (14). A institucionalização dos SDR como ativo monetário internacional não daria apenas esse poder ao FMI, mas também o de organizar a produção mundial.

    Esses problemas são graves, mas não são os únicos – e nem mesmo os maiores – problemas que a criação de um banco central mundial causará. A situação fica ainda mais nefasta quando levamos em conta a participação da China nesse cenário.

O Banco Central Chinês

    O sistema monetário ocidental se tornou essencialmente chartalista após o fim de Bretton Woods, mas ainda não se tornou completamente chartalista. Por mais decadentes que estejam as nossas instituições políticas, ainda possuímos um resquício de liberdade e propriedade privada, e isso impõe um limite, ainda que pequeno, à capacidade dos governos de emitir moeda de forma fraudulenta. 

Para inflacionar a moeda, o Tesouro precisa emitir títulos da dívida, e vendê-los aos chamados “compradores primários” – grandes bancos privados e outras entidades financeiras autorizadas pelo governo. O Banco Central, por sua vez, negocia a compra desses títulos da dívida, injetando dinheiro nos bancos privados de acordo com as metas definidas por seus planejadores centrais. Esse modelo é válido para os EUA, a Europa, a América Latina, e boa parte do resto do mundo.

O lado bom desse modelo é que ele utiliza o setor privado como uma última barreira ao controle arbitrário do Estado sobre a economia. Se um governo se mostra excessivamente irresponsável em seus gastos, os bancos param de acreditar que ele honrará suas dívidas (15), e se recusam a comprar mais títulos. O lado ruim é que isso os torna incapazes de competir com um governo como o da China, que não possui essas restrições e pode inflacionar sua moeda à vontade.

A dívida pública chinesa oficial é de cerca de 7 trilhões de dólares, mas a Standard & Poor’s, agência americana de avaliação de crédito, estima que há cerca de 6 trilhões de dólares em dívidas “escondidas”. Além da dívida governamental direita, o FMI estima que firmas industriais com propriedade majoritária do governo devam mais 11,5 trilhões, ao passo que os três maiores bancos “privados” chineses – que também são controlados pelo governo – declaram mais 4.5 trilhões em dívida. A realidade é que as contas chinesas não são auditáveis – mais precisamente, são “auditadas” pela Auditoria Nacional Chinesa, braço do próprio governo.

Na prática, isso significa que o governo chinês pode manipular sua moeda como quiser, repassando o custo real de seu caos econômico a seus escravos – sim, escravos. Ao contrário dos governos ocidentais, que são punidos com um enorme custo político quando suas peripécias econômicas resultam em crises, a China pode repassar esse custo com o trabalho dos quase 4 milhões de escravos nos sistemas Laogai e Laojiao (16), além dos 1 milhão de escravos nos campos de “reeducação” para muçulmanos uyghur (17). Como expliquei em um artigo anterior, esse contingente de mão de obra escrava, somado à flexibilidade monetária e ao aparato de repressão política orwelliano do Partido Comunista Chinês tornam impossível, para países chartalistas ocidentais, competir com a moeda chinesa. 

Como Ayn Rand identificou, Em qualquer conflito entre dois homens (ou dois grupos) que adotam os mesmos princípios básicos, é o mais consistente que vence” (18). Nossa sociedade, que adotou a fraude, a burocracia e a violência como princípios políticos de forma recalcitrante, é incapaz de competir com a China, que adota esses mesmos valores a milênios, de forma explícita e orgulhosa. Nesse contexto, os SDR são o golpe de misericórdia no nosso sistema econômico.

    Como vimos anteriormente, os planejadores centrais do FMI sempre enxergaram a escassez do dólar e do ouro como um problema – um empecilho à sua capacidade de organizar os recursos alheios. O Yuan chinês, por ser inauditável, não possui esse “problema”, e é a moeda perfeita por esses padrões. O resultado disso é que, em 2016, o comitê responsável pelos SDR decidiu mudar a composição da cesta de moedas – algo que não acontecia desde a criação do Euro – e incluir o Yuan, que agora é 11% do valor do ativo.

    As tendências para os próximos anos são duas. Por um lado, ouviremos cada vez mais sobre essa moeda internacional, e como todos os “economistas” concordam que ela trará estabilidade à economia global – principalmente após a crise econômica causada pelos lockdowns se instaurar. Por outro, a China se tornará cada vez mais presente em nosso dia-a-dia, primeiro no âmbito econômico, com cada vez mais investimentos em setores estratégicos de nossa economia; depois no âmbito cultural, substituindo gradualmente os EUA como exportador de produtos culturais para o Brasil; por fim, no âmbito político, exportando suas medidas totalitárias para os ávidos estatistas brasileiros, que as venderão como um exemplo de governabilidade. A nós, resta apenas opor-nos a esse processo, boicotando consistentemente os produtos chineses, cobrando a condenação do regime de nossos representantes políticos e, em última instância, preparando-nos militarmente.

#BillPedroso

NOTAS

1 -  O metalismo é uma linha de pensamento econômico, fundada por Carl Menger (1840 - 1921), que vê a moeda como uma instituição que se desenvolveu de forma espontânea e descentralizada, através das ações de diversos indivíduos. Nela, a moeda é uma commodity que, por causa de fatores objetivos, como a fungibilidade e a durabilidade, é ideal para estocar valor num nível individual – e, portanto, foi selecionada através de um processo histórico, se tornando hegemonicamente aceita em trocas.
2 -  O chartalismo é a linha de pensamento econômico, fundada por George Friedrich Knapp (1942 - 1926), que vê a moeda como um instrumento legal, desenvolvida de forma deliberada e centralizada por Estados. Nela, o valor da moeda deriva de sua capacidade de pagar impostos e sanar dívidas em casos de judicialização, sendo utilizada por reis e, posteriormente, estados nacionais para alocar “poder econômico” para indivíduos específicos, organizando a economia de forma eficiente.
3 -  A moeda commodity cumpre uma função essencial na regulação do mercado de crédito, permitindo que o indivíduo se retire quando a taxa de juros oferecida não compensa o risco e sua preferência temporal. Essa capacidade de saída é fundamental para evitar a expansão artificial de crédito governamental, evitando crises cíclicas. Para mais informações a respeito desse mecanismo, recomendo a leitura de Theory of Interest and Prices in Paper Currency, de Keith Weiner.
4 - No âmbito político, a moeda-commodity cumpre uma função essencial na manutenção da liberdade e propriedade privada. Ao impedir a inflação, um sistema metalista impede que o governo financie políticas públicas sem incorrer no custo político de aumentar impostos, ou correr o risco de falir. Limitar a capacidade de endividamento do governo é essencial para impedir o ciclo de declínio autoritário necessitado pela insolvência financeira descrito por Gianluca Lorenzon em Ciclos Fatais.
5 -  A reserva monetária é o conjunto de ativos estrangeiros que um país possui e utiliza para estabilizar o valor de sua moeda. O Brasil, por exemplo, possui um estoque de dólares e euros, dentre outras moedas, que pode utilizar para impedir uma desvalorização drástica do real. Caso haja um excesso de demanda por dólares em relação a reais, o que desvalorizaria o real em relação ao dólar, o governo injeta dólares no mercado, aumentando sua oferta.
6 -  O balanço de pagamentos é o registro contábil das transações efetuadas entre países. É essencialmente a contabilidade do que é importado e exportado, em termos agregados.
7 -  Como Keith Weiner explica em sua Theory of Interest and Prices in Paper Currency, o governo eventualmente se torna refém do setor privado na definição da taxa de juros ao se aproximar do final de um ciclo de crédito, e tem apenas a escolha de não emitir dívidas, ou se endividar à taxa ditada por bancos privados.
8 -  Todas essas informações se encontram no site do próprio Fundo Monetário Internacional.
9 -  Para ilustrar o efeito que essa mudança teve na responsabilidade fiscal dos Estados, basta olhar para a dívida pública americana. De 1921 a 1941, ela cresceu de 24 a 48 bilhões - 100% em 20 anos. Com o crescente gasto endividamento por Franklin Roosevelt e seu New Deal, ela rapidamente atingiu 270 bilhões em 1946, aumentando até 620 bilhões em 1976, ano oficial do fim de Bretton Woods e dos resquícios de metalismo no sistema monetário ocidental - quase 200% em 20 anos. De 1976 a 1996, sem nenhuma restrição imposta pelo lastro, ela cresceu para 5.2 trilhões de dólares - cerca de 740% em 20 anos. Em 2020, a dívida “oficial”, que hoje em dia não inclui programas como os de financiamento universitário, imobiliário e médico, conhecidos como unfunded liabilities, está em quase 27 trilhões (440% de crescimento), mas economistas como Keith Weiner e James Anderson estimam que ela seja maior por centenas de trilhões. Ao contrário do New Deal, esses aumentos da dívida se deram de forma “natural”, devido à falta de um mecanismo de controle, e não de forma deliberada e politicamente custosa, através da aprovação de legislação.
10 -  A descrição como “insignificante” vem de Reza Moghadan, vice-presidente de capitais globais da Morgan Stanley, ex-diretor do departamento europeu do FMI, e responsável pelo desenvolvimento da política de revitalização dos SDR.
11 -  https://www.imf.org/en/About/Factsheets/Sheets/2016/08/01/14/51/Special-Drawing-Right-SDR
12 -  Para uma visão mais aprofundada de Milton Friedman sobre os problemas do planejamento central, ver Capitalismo e Liberdade.
13 -  Para uma visão mais aprofundada de F.A. Hayek sobre os problemas do planejamento central, ver Lei, Legislação e Liberdade.
14 -  Piketty elabora essa proposta no capítulo 15 de O Capital no Século 21.
15 - Para ser mais preciso, os bancos param de acreditar que o governo honrará o pagamento sistemático de juros da dívida. Hoje em dia, é normal um país dever mais de 100% do seu PIB, e nenhum banco realmente espera que essa dívida seja sanada em algum momento. O que se espera é que esses países continuem sendo capazes de compensar o capital imobilizado dos bancos com o pagamento de juros.
16 - Números da Laogai Research Foundation, ONG dedicada à pesquisa, denúncia e combate da escravidão governamental da China, fundada por Harry Wu, ex-prisioneiro no sistema Laogai.
17 - Dados de Adrian Zenz, disponíveis nesse site.
18 -  Capitalism, The Unknown Ideal - Ayn Rand, 1966, p.145

Bolsonaro e a falsa direita

Hoje falaremos do cara que conquistou o povo com sua fala dura contra o sistema, contra o status-quo brasileiro, e que no final das contas garantiu sua vitória nas últimas eleições para chefe de estado da nação brasileira: Jair Messias Bolsonaro.

A pergunta é: Ele é um cara de direita como ele mesmo se vendeu? Não, ele não é.

Bolsonaro é um cara conservador, porém, estatista, intervencionista, corporativista e nacionalista. Isso significa que ele vai na contramão de idéias e princípios de liberdade, pois vem fazendo muito poucas privatizações e quase nada para gerar mais liberdade econômica do país, tanto que não avançamos em nada no ranking. Ainda, no que diz respeito à liberdade civil, estamos indo de mal a pior, pois vivemos em um país onde, dentre os 3 poderes, um quer se sobrepor aos outros dois. Embora, sob este aspecto, ele não tenha tanta culpa, está muito omisso, pois se deixou ficar de mãos atadas, seja por conveniência ou não. 

Estamos vendo que Bolsonaro se vendeu como uma coisa e vem entregando outra em seu governo; infelizmente por casos da mesmice da velha guarda da máfia política brasileira, seu governo que estava indo bem em seu primeiro ano, simplesmente se perdeu por conta de decisões equivocadas e defesas de um certo filho, que já demonstrou também ser um mafioso de mão cheia; pôs tudo a perder.

A vantagem de Bolsonaro é que ele é anti-comunista, porém é muito pouco para quem se vendeu ou se vende de “direita”, pois é corporativista, defende estatais, é nacional-desenvolvimentista e faz muito pouco pela diminuição do estado. Não dá mais autonomia ao mercado, não valoriza a propriedade privada e liberdades civis como deveria e também não contribui em quase nada para a prosperidade da nação.

Só mostra uma coisa: não podemos mesmo confiar na palavra de políticos, pois variam mais que ondas em frequência modulada.

#diganaoaoestado

#impostoeroubo

#fredjonas

Progressismo: a normalização da intolerância

Nos últimos anos temos visto grupos progressistas organizados crescerem exponencialmente e tomarem os principais noticiários com suas manifestações, muitas vezes violentas. Tais grupos têm ganhado não somente as ruas e manchetes, mas também estão oficializando seus discursos por meio do estado, transformando tais discursos em verdadeiras regras. Cabe aos movimentos defensores das liberdades individuais conterem essa aberração social que se alastra pelo mundo.

Black Lives Matter, Sleeping Giants e tantos outros autodenominados “coletivos” têm usado dinheiro e também a força para impor seu pensamento na sociedade. Esse trabalho iniciou lento, gradual e sorrateiro. Com táticas típicas do socialismo fabiano, o progressismo tem penetrado escolas, universidades, meio artístico e a política no intuito de criar um novo padrão moral na sociedade contemporânea. Uma vez que uma grande parte da sociedade já está habituada com o novo código moral progressista, criar leis que reprimem comportamentos e pensamentos contrários ao movimento torna-se quase natural.

Há não muito tempo, o professor canadense e psicólogo, Jordan Peterson cravou uma brava luta contra estes movimentos. No caso, estava em pauta naquele país a oficialização do uso de pronomes neutros para indivíduos que expressavam seu gênero fora dos padrões sociais. Peterson foi a público denunciar tal projeto como autoritário. O psicólogo disse que até poderia chamar, por cordialidade, uma pessoa pelo pronome que ela desejasse, mas ninguém poderia obrigá-lo a realizar tal ato. A partir daí iniciou-se uma caçada de movimentos LGBTQIA + pelo professor universitário com grande anuência da mídia de esquerda mundial. Para a sorte de Peterson, ele não estava sozinho nesta luta. A nova fama atingiu também movimentos defensores das liberdades individuais (como o libertário) e o professor de psicologia passou também a ser ovacionado como defensor da individualidade.

É necessário entender que o progressismo por si é um movimento opressor. O objetivo dos grupos progressistas é criar uma cartilha de pensamento e, por consequência, comportamentos que tornam o indivíduo um animal domesticado pelo coletivo. Podemos analisar essa singularidade da pessoa humana de forma bastante objetiva. Por um lado existe a linha Hoppeana de que uma exposição livre do seu pensamento (a argumentação) só se faz reconhecendo sua autopropriedade e liberdade plena sobre ela. Nossos pensamentos e opiniões de fato são construídos por diversas influências externas, mas somos nós que chegamos àquelas conclusões por final. Não faz sentido assumir uma forma de pensamento ou discurso do qual não se concorda completamente apenas por aceitação social. Discursar sobre algo que você não acredita é permitir que outros digam o que é melhor para você mesmo, é delegar a tutela plena do seu ser a terceiros que não te conhecem tão bem como você.

Além disso, podemos ressaltar também o fato de que o ser humano age baseado no autointeresse. Nós estamos, invariavelmente, buscando sempre a obtenção da máxima felicidade da forma que mais nos convém. Esse tipo de decisão só pode ser legitimamente tomada de forma racional e individual. Cada indivíduo possui definições e metas de bem-estar diferentes. É tolice acreditar que, de forma coletiva, entraremos numa espécie de sintonia de felicidade constante. Além do que, o progressismo baseia-se em grandes restrições de comportamento. Irão dizer que você não pode adotar determinado discurso ou vestir alguma roupa ou mesmo usar um certo corte de cabelo. Valendo-se de argumentos altamente subjetivos, irão acusá-lo de branco opressor, machista, apropriador cultural e tantos outros adjetivos cuja semântica é tão vaga que permite serem usados em qualquer situação.

É característica típica do ser humano a pluralidade. Existimos em diversas raças, sexos, gêneros, culturas e, logicamente, pensamentos. Somos essencialmente diferentes e nos enriquece pensarmos de formas distintas. A pluralidade humana se choca com frequência e produz novidades e tolerância de forma natural. Abrir mão da própria singularidade é abrir mão da riqueza humana. Um pequeno grupo opressor não pode ditar o comportamento de diversos indivíduos. Precisamos defender constantemente a nossa liberdade de pensamento e expressão, mesmo que estes desagradem uma grande maioria. O custo de acatar uma normatização violenta para evitar conflitos ideológicos tende a ser muito alto. Um verdadeiro defensor da liberdade não abre mão de si e luta até a última gota do próprio sangue pelo direito de ser ele mesmo.

#FAL